Foto: Câmara Municipal de Charqueada
Toda lei municipal deve obedecer aos parâmetros estabelecidos pela Constituição Federal e pela Constituição Estadual. A autonomia legislativa dos municípios não é absoluta: tanto o prefeito quanto a Câmara Municipal devem atuar dentro dos limites constitucionais. Para prevenir erros, ilegalidades ou abusos, cada poder — Executivo e Legislativo — possui procuradorias jurídicas próprias, responsáveis por orientar tecnicamente suas ações.
Quando falhas graves passam despercebidas ou não são corrigidas, os responsáveis podem ser acionados judicialmente por meio de ação popular, instrumento que permite a qualquer cidadão pedir que agentes públicos ressarçam o município por eventuais prejuízos decorrentes de atos ilegais.
Um exemplo recente envolve a Lei Complementar nº 295, de 6 de março de 2025, enviada pelo Poder Executivo à Câmara Municipal — ato de competência exclusiva do prefeito. O projeto foi aprovado em duas sessões legislativas e, em seguida, devolvido ao Executivo para sanção, momento em que a lei passou a vigorar formalmente.
Nenhuma lei municipal, porém, está imune ao controle do Poder Judiciário. O Ministério Público pode questionar sua validade a qualquer momento caso identifique possível violação a princípios constitucionais. Se o Tribunal de Justiça concluir que a norma contraria a Constituição Federal ou Estadual, poderá declarar sua inconstitucionalidade, total ou parcial, fazendo com que deixe de produzir efeitos.
Foi o que ocorreu em 14 de novembro de 2025, quando o Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu liminar suspendendo o benefício denominado “Vale Cesta de Natal”, previsto na Lei Complementar nº 295/2025, do município de Charqueada. A decisão atendeu a pedido do Procurador-Geral de Justiça em ação direta de inconstitucionalidade proposta contra trechos da norma.
A ação questiona a expressão “Vale Cesta de Natal” presente em diversos dispositivos da lei. Segundo o Ministério Público, o município instituiu benefícios pecuniários aos servidores — entre eles acréscimo por assiduidade, boa conduta e o próprio vale natalino — sem respaldo no interesse público ou vinculação a efetiva contraprestação de serviço.
O MP argumenta que a Constituição paulista determina que a administração pública siga os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, motivação e eficiência. Assim, vantagens funcionais só podem ser criadas quando relacionadas às necessidades do serviço público.
Na decisão, o relator afirmou que não há justificativa lógica ou administrativa para o pagamento da cesta de Natal, caracterizando o benefício como forma indireta de aumento remuneratório. Para ele, recompensar o servidor pelo simples cumprimento de obrigações ordinárias não atende ao interesse público. O magistrado ainda citou precedentes do TJ-SP e do STF que declararam inconstitucionais medidas semelhantes adotadas por outros municípios.
Ao analisar os requisitos para concessão da liminar, o relator identificou plausibilidade jurídica na tese de violação dos artigos 111 e 128 da Constituição estadual. Também constatou risco de danos ao erário, considerando que os valores têm natureza alimentar e são de difícil restituição. Por isso, suspendeu provisoriamente a eficácia dos dispositivos contestados até julgamento definitivo pelo Órgão Especial.
Entramos em contato com o Sindicato dos Servidores de Charqueada, que informou que o prefeito Rodrigo Arruda desconsidera as orientações da entidade, adotando como método de governo o não reconhecimento da importância do movimento sindical como colaborador nesse tipo de análise. Enquanto a Prefeitura regulamentava o “Kit Natalino” por meio de leis municipais de caráter temporário, com vigência limitada ao final de cada exercício, não havia fundamento legal para que o Ministério Público propusesse ação direta de inconstitucionalidade.
Isso porque, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, “a extinção da vigência da norma impugnada, após o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade, acarreta a perda superveniente do seu objeto, independentemente da existência de efeitos residuais concretos dela decorrentes”.
Essa prática, tecnicamente mais segura, perdurou até 2024. Contudo, por razões desconhecidas, a Prefeitura optou por apresentar o benefício em uma lei de caráter continuado, abrindo margem para questionamento de sua constitucionalidade por violação aos artigos 111 e 128 da Constituição do Estado de São Paulo e, infelizmente, resultando na suspensão do “Kit Natalino” para os servidores municipais.
Segundo a direção do Sindicato, houve a recomendação para que o prefeito incorporasse o benefício ao Vale-Alimentação ou à remuneração dos servidores, medida que evitaria eventuais prejuízos à categoria.
O Tribunal também requisitou informações ao prefeito e ao presidente da Câmara Municipal de Charqueada, determinou a citação do Procurador-Geral do Estado e encaminhou o caso à Procuradoria-Geral de Justiça para emissão de parecer.
O processo seguirá em tramitação, aguardando as manifestações dos órgãos envolvidos antes da análise final do mérito. A decisão evidencia que os atos do prefeito e da Câmara de Vereadores estão sujeitos ao controle judicial, que busca assegurar que as leis municipais permaneçam alinhadas à Constituição e não sejam utilizadas como instrumento político.
Com Informações do Sindicato dos Servidores Municipais de Piracicaba
Publicado por Danilo Telles/Grupo Metropolitana